ANÁLISE DA IDEIA DE PERFEIÇÃO HUMANA
É verdade que na literatura e na clínica psiquiátrica os excessos com a perfeição têm sido associados com possíveis quadros doentios. Nessa abordagem, poderia ser associada a uma doença quando, por exemplo, a pessoa entra em pânico se o que espera não está acontecendo como quer ou, na busca pela perfeição, seus efeitos geram diagnóstico patológico: “Quem faz de tudo por uma alimentação saudável pode ter desenvolvido ortorexia. Aqueles que malham em demasia e se enxergam sempre fracos, vigorexia. Perfeccionismo e organização além da conta podem ter desenvolvido o Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)”. [1] Esse excesso da perfeição seria visível em limpeza, organização, saúde, beleza. Nesse sentido, em sua tese de mestrado, Susana Miguel de Castro Pinto escreveu: “Apesar de não podermos associar diretamente o perfeccionismo à psicopatologia, a sua relação tem vindo a ser demonstrada e estabelece-se uma ligação entre o perfeccionismo disfuncional e vários sintomas psicopatológicos. O perfeccionismo é tido como um fator desencadeante, de risco e de manutenção de várias psicopatologias”.[2] Se a ideia ou pensamento de perfeição desenvolve uma forma doentia, então requer tratamento medicamentoso.
Todavia, é na Psicologia que esse excesso chamado perfeccionismo, em sua expressão original, tem sido abordado com maior frequência, sendo objeto de estudos, pesquisas, terapias. A busca pela perfeição torna-se transtorno psicológico quando as pessoas não apenas procuram agir com perfeição ou quando elogiam os que assim agem, mas sentem dificuldade em aceitar os erros, as falhas, os defeitos, as imperfeições em si e nos outros. A partir daí, desenvolvem atitudes e comportamentos patológicos quanto ao que pensam de si mesmos e de outros que vivem ao seu redor. Sua rigidez dificulta a aceitação de si e de outrem e os padrões elevados se tornam inatingíveis. Como consequência, a depreciação, o negativismo e a desvalorização se tornam um estilo de vida, gerando sofrimento e dor existencial, pois a atitude de acreditar que tudo pode ser feito com perfeição se torna uma ideia fixa.
Em entrevista publicada pela revista Época, o famoso psicólogo Gordon Flex explicou o perfil de uma pessoa perfeccionista: “É aquela pessoa que deseja tudo absolutamente correto e não admite um único erro. É uma pessoa que se sente extremamente frustrada quando algo sai do planejado. Podem ser pessoas centradas no trabalho, em exames... Ou, em muitos casos, pessoas voltadas ao aperfeiçoamento pessoal” [3].
Por outro lado, numa outra compreensão, o livro “O Poder dos Imperfeitos” foi escrito por Elizabeth Kuylenstierna[4] para que as pessoas possam lidar com as imperfeições da vida de modo saudável.
Brow em seu livro “A Coragem de Ser Imperfeito” escreveu para que o indivíduo aceite a vulnerabilidade pessoal e humana e aprenda a viver positivamente, apesar de suas falhas: “Ser “perfeito” e “à prova de bala” são conceitos bastante sedutores, mas que não existem na realidade humana. Devemos respirar fundo e entrar na arena, qualquer que seja ela: um novo relacionamento, um encontro importante, uma conversa difícil em família ou uma contribuição criativa”. [5]
Em termos de psicanálise, a perfeição está associada à neurose obsessiva e segundo Frederico Mattos, “a literatura psicanalista ofereceu muitas contribuições para o tipo de pessoas que tem uma fascinação por manter a ordem e se torna excessivamente formal; tem uma tendência a ser comedida chegando a ser avarenta e até uma obstinação que se transforma numa rebeldia esbravejante” [6]
Concluindo, é saudável ter a perfeição como meta a ser alcançada em ações e comportamentos, o que poderia ser considerada como busca pela excelência. O melhor exemplo no meio cristão foi o do apóstolo Paulo, que usou a ideia da perfeição saudável como meta. Ele deixou escrito: “Não que já a tenha alcançado, ou que seja perfeito; mas vou prosseguindo, para ver se poderei alcançar aquilo para o que fui também alcançado por Cristo Jesus” (Filipenses 3.12). Porém, quando essa busca se torna excessiva, um quadro patológico começa a ser desenhado na personalidade. Isto se verifica quando há muita dificuldade em aceitar erros, falhas, defeitos, imperfeições pessoais e de outrem, o que passa ser vivido com sofrimento existencial. Abordando esses efeitos, a Psicóloga Camila Volpato escreveu: “Muitas pessoas sofrem por serem perfeccionistas e procuram os consultórios de psicologia para diminuir a auto cobrança e quebrar a crença de que tudo que se faz tem que ser perfeito sempre”. [7]
Sejamos pessoas que buscam a perfeição ou a excelência, inclusive na perspectiva cristã, que inclui o reconhecimento saudável de que somos falhos e incompletos, usufruindo da capacidade de perdoar a si mesmo e às outras pessoas, sem nos deixar levar pelo perfeccionismo.
Autor: Edson Raposo Belchior
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[1] http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticia/2011/06/saiba-quando-as-manias-viram-doencas-3355675.html
[2] PINTO, pg.25. Fonte: https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/88990/2/170005.pdf
[3] http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81071-5856-504,00.html
[4] KUYLENSTIERNA, Elizabeth. O Poder dos Imperfeitos. Petrópolis: Vozes Nobili, 2015.
[5] BROWN, pg. 25.
[6] http://www.sobreavida.com.br/2013/08/13/obsessivo/
[7] http://psicologiaitapema.com.br/perfeccionismo/
BIBLIOGRAFIA
BROWN, Brené. A Arte da Imperfeição. Ribeirão Preto: Novo Conceito Editora, 2012. Versão Digital.
KUYLENSTIERNA, Elizabeth. O Poder dos Imperfeitos. Petrópolis: Vozes Nobili, 2015.
MEZZER, Robert R. Psiquiatria Dinâmica. Porto Alegre: Globo, 1978.
PINTO, Susana Miguel de Castro. Perfeccionismo, Perturbação psicológica e Necessidades de Cuidados em Saúde Mental. Dissertação de Mestrado em Psiquiatria e Saúde Mental apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Portugal, 2016.