A Falácia da Autonomia

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A Falácia da Autonomia

A FALÁCIA DA AUTONOMIA

Introdução

A origem da palavra autonomia (ατονομία) ocorreu na Grécia antiga, para “designar cidades que não eram submissas a outras”. Posteriormente passou a ser usado na filosofia e na religião, como a “capacidade de um indivíduo de governar a si próprio, estabelecendo as suas próprias leis”. Podemos dizer que essa conceituação de autonomia foi encontrada nos escritos de Kant (1724-1804), como a “capacidade da vontade humana de se autodeterminar segundo uma legislação moral por ela mesma estabelecida”. Mais recentemente voltou a ser abordada através de Piaget (1896-1980), que procurou identificar seu surgimento quando a “criança se torna adolescente e se caracteriza pela capacidade de compreender e criar regras e de agir com responsabilidade e respeito mutuo”. Paulo Freire (1921-1997) tornou o conceito mais conhecido no Brasil, através do seu livro “Pedagogia da Autonomia”, no qual procura tornar o educando em sujeito na promoção de sua consciência própria no ambiente social.

 

  1. Idealismo versus realismo

Por mais que seja uma proposta extremamente atraente, como um ideal a ser alcançado por um individuo, a partir de sua adolescência, quando deixa de estar unicamente sob a influência do seu ambiente familiar, cujo papel tradicional era o de conduzir no caminho a ser seguido, tendo como base certas regras e leis externas, a autonomia como exercício da vontade de se autodeterminar se choca com a realidade do que encontra em si mesmo, na sociedade e na natureza. O choque começa acontecer a partir da sua constituição genética, cujo aspecto principal já confirmado é ser resultado da influência de seus antepassados (Mendel). O choque aumenta quando o indivíduo constata em si mesmo a existência de pulsões e desejos que entram em conflito com determinada vontade a ser realizada (Freud). O choque se torna maior ao conviver com outros indivíduos em seus relacionamentos interpessoais, quando verifica desarmonia entre o que ele quer e o que os outros querem (Durkheim). O choque culmina sua crise quando a pessoa se vê imersa em acontecimentos alheios à sua vontade, principalmente produzidos pela natureza que o cerca e onde está inserida. Em suma, como alguém, já concluiu: “Isto é uma mentira. É a mesma coisa que falar de circulo quadrado. Você ser autônomo na vida por meia hora, você sofre pra cachorro. Isto tudo custa caro” (Pondé). 

 

  1. Liberdade com responsabilidade

Se vamos adotar a autonomia como norma de vida, a base inevitável dessa atitude é o princípio da liberdade individual. Voltando ao que pensava o filósofo Kant, para ele a autonomia estava relacionada à liberdade, quando a pessoa dá a si mesma as regras a serem seguidas racionalmente por ela. Ocorre, todavia, que a liberdade para ser autônomo está limitada à autonomia do outro. Nesse sentido, Spencer (1820-1903) já dizia que “a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”. Se o indivíduo tem o direito de escolha do seu modo de agir, numa intepretação idealista, independentemente de leis e agentes externos, além da sua escolha seguir critérios racionais, a liberdade precisa e deve ser responsável. Se existe, portanto, uma liberdade individual, ela será responsável. Se a liberdade não traz consigo a responsabilidade, inclusive em nome da autonomia, essa liberdade certamente irá gerar prejuízos ao próprio individuo, à sociedade onde vive e à natureza onde está inserido. Isto não se chama autonomia, mas tem sido chamado de libertinagem.

 

  1. Aspecto religioso

Uma vez que o conceito foi apresentado originalmente na política geográfica e depois passou a ser abordada na filosofia e em outras áreas, inclusive no meio empresarial, educacional, jurídico, não poderia deixar de ser abordada na religiosidade humana. O momento mais claro de se advogar essa autonomia, em termos religiosos, surgiu com Nietzsche (1844-1900), comunicando a morte de Deus, a partir da qual o ser humano poderia se libertar e ser autônomo, conduzindo sua própria vida, à luz de suas próprias regras e leis pessoais. A partir dele, o ateísmo, o humanismo e o secularismo foram ocupando mais e mais espaço na mente das pessoas e no comportamento da sociedade.

A realidade, todavia, à luz das limitações humanas e sociais, também coloca a autonomia em relação a Deus como uma falácia. O personagem religioso mais conhecido e que melhor expressou essa frustração foi o apóstolo Paulo, quando em suas confissões, exclamou profundamente: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. Acho então esta lei em mim, que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; Mas vejo nos meus membros outra lei, que batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros. Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Dou Graças a Deus por Jesus Cristo” (Romanos 7.18-24). Na sua linguagem religiosa, ele mencionou como elementos impeditivos de sua autonomia a presença do mal e do pecado. Mencionou como elemento que o libertava e lhe dava autonomia a experiência com Jesus Cristo.

Se existe alguma liberdade em relação ao mal, ao pecado e a tudo o mais que pode efetivamente produz uma autonomia relativa, essa liberdade está em Jesus Cristo. Paradoxalmente, em seu chamado às pessoas para terem liberdade e autonomia, a proposta de Jesus Cristo incluiu o abrir mão de si mesmo, isto é, abrir mão de uma falsa autonomia. Ele dizia às pessoas: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me” (Marcos 8.34). Jesus Cristo propõe a perda da falsa autonomia, que defende a falácia do exercício de uma vontade pessoal realizável, para adotar em seu lugar a atitude submeter-se à vontade de Deus. Por mais paradoxal que venha a ser, o indivíduo ao abdicar de sua autonomia falida ganha autêntica autonomia, para experimentar realização pessoal em Deus.

 

Conclusão

Pretender uma autonomia em que o indivíduo se governa a si mesmo, estabelecendo suas próprias regras e leis, é uma falácia à luz dos vários determinantes que afetam esse governo pessoal, inclusive ignorando a vontade de Deus para a sua vida.

A única maneira de se experimentar autonomia verdadeira é através de uma experiência pessoal com Jesus Cristo, mesmo ao custo paradoxal de renunciar ao ego. Essa experiência pessoal introduz o elemento espiritual para que o indivíduo realmente tenha condições de lidar com as influências genéticas, sociais, psicológicas, naturais que determinam seu agir, conseguindo se realizar como pessoa unida a Deus, em vez de ser ou de sentir-se marionete dessas influências. 

 

Autor: Edson Raposo Belchior

 

BIBLIOGRAFIA

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo, Editora Paz e Terra, 2014.

JUBRAM, Renata. Autonomia, Resiliência e Protagonismo. São Paulo, Integrare Editora, 2017.

RUPPERT, Franz. Simbiose e Autonomia nos Relacionamentos. São Paulo, Editora Cultrix, 1984.