A EXPERIÊNCIA DA PERCEPÇÃO ESPIRITUAL
Introdução
- A maioria das pessoas estaria familiarizada com a experiência da percepção em sua concepção natural, isto é, a capacidade de captar, processar e entender as informações de nossos sentidos físicos: visão, olfato, paladar, audição e tato. É a atividade cognitiva de identificar, organizar e interpretar a informação sensorial oriunda do ambiente que nos cerca, principalmente os objetos, os acontecimentos, os relacionamentos e de si mesmo. Três teorias psicológicas procuram explicar a percepção: fisiológica (salienta os processos orgânicos do corpo), gestaltista (enfatiza os processos cognitivos-afetivos em equilíbrio) e behaviorista (destaca os aspectos dos estímulos e reações como determinantes)[1].
- Além da experiência percebida pelos sentidos do corpo, algumas pessoas conhecidas como sensitivas reivindicam viver uma experiência conhecida como extrassensorial. Esta não seria considerada normal e nem reconhecida pela ciência, razão pela quais muitas vezes se torna objeto de questionamentos. Seriam a telepatia, clarividência, retrocognição, psicometria e premonição. Quem diz ter essas experiências reivindica possuir o que se tornou conhecido como sexto sentido. Sobre a percepção extrassensorial (PES), o Dr. D. O. Hebb, professor de psicologia da Universidade de McGill, diz: “Eu, pessoalmente, não aceito a PES nem por um momento, porque não tem lógica. Meu critério externo, tanto da física como da fisiologia, diz que a PES não é um fato”[2].
- Ultrapassando os limites da percepção sensorial e diferente da percepção extrassensorial, outras pessoas também reivindicam a experiência da percepção espiritual. Seria um tipo de experiência resultante do despertar da dimensão espiritual do ser humano. É através dessa experiência de percepção espiritual que teriam um relacionamento com Deus. Como consequência, ocorrem reações, crenças, envolvimento e práticas religiosas, que podem ser objetos de estudos. As pessoas que vivem essa experiência são chamadas na Bíblia de espirituais. A percepção espiritual não ignora os aspectos orgânicos e psicológicos, mas afirma que essa percepção só existe a partir das atitudes de acreditar na existência de Deus e de receber Jesus Cristo na vida, atitudes essas que acionam o despertar do espírito, parte igualmente constituinte da natureza humana (Efésios 1.13; I Coríntios 2.14,15).
1. Exemplos de casos
As dificuldades em se experimentar a percepção espiritual foram demonstradas em vários episódios registrados nas páginas da Bíblia, mesmo seus protagonistas sendo pessoas religiosas. Num determinado momento do seu ministério, Jesus Cristo perguntou aos seus discípulos se eles ainda não haviam percebido o que havia ensinado (Marcos 4.35). A palavra original usada por Jesus é “εἴδω” (eídô), cuja tradução é perceber, discernir, descobrir. Essa expressão foi usada em vários textos com o mesmo significado. Em outro momento na história do profeta Eliseu, seu ajudante teve a dificuldade de perceber que eles estavam cercados por uma multidão de anjos celestiais para protegê-los. Como a experiência não poderia ser percebida pelo sentido físico da visão, Eliseu pediu a Deus que “abrisse os olhos” do seu ajudante (II Reis 6.15-17). Ainda em outro episódio ilustrativo, quando estava às portas da morte por apedrejamento, Lucas registrou as palavras de Estevão que dizia “ver os céus abertos e Jesus Cristo em pé, à direita de Deus” (Atos 7.55,56).
Na percepção espiritual, o processo pode começar de modo simples quando o entendimento é iluminado e pode prosseguir aumentando os níveis de percepção, ultrapassando os limites do sensorial, principalmente ao lidar com conceitos como invisibilidade, eternidade, transcendência. Aplicando, por exemplo, na simplicidade da leitura da Bíblia, a interpretação correta, profunda e aplicável dos seus textos carece de iluminação espiritual. Nesse sentido é que Jesus explicava às pessoas como poderiam compreender Escrituras (Lucas 24.17). Em seguida, o nível da percepção é aumentado, como aconteceu no episódio dos discípulos no caminho de Emaus, quando viam o homem que estava com eles, mas não o identificavam como Jesus Cristo. Para que isto acontecesse, foi preciso que seus olhos se abrissem e então reconhecessem Jesus (Lucas 24.31). Em nossos dias, a frase “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça o que o Espírito diz às igrejas”, repetida várias vezes, significa ter uma percepção além do sentido físico da audição. É um fenômeno inexplicável sob a perspectiva humana da percepção sensorial, quando ocorre uma pregação genuinamente bíblica e eficaz ou quando alguém está em verdadeira oração diante de Deus. Em nossos dias, a sensação espiritual de que estamos sendo assistidos por anjos que estão ao nosso redor é muito mais do que apenas repetir o versículo bíblico que diz: “O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem e os livra” (Salmo 34.7). Em nossos dias, a atitude genuína de acreditar é resultado da capacidade de “ver o invisível” (Hebreus 11.1,27).
2. Confronto com a realidade
Uma vez que a percepção sensorial pode ser afetada por fatores sociais, culturais, linguísticos, médicos, psicológicos, comprometendo a realidade existente, da mesma forma também a percepção espiritual pode sofrer o mesmo efeito. Por esta razão, as pessoas que se dizem espirituais e que alegam viver determinados tipos de experiências religiosas, que saem fora do que é considerado normal, natural e real, precisam ser submetidas a estudos. Não se pode ignorar que alegadas experiências de percepção espiritual possam ser resultado de lavagem cerebral, influência do grupo, doenças psiquiátricas, estados alterados da consciência como transe, ações psicológicas como sugestão e hipnose, desorganização bioquímica por ingestão de drogas e carência de nutrientes. Em consequência desses fatores, pessoas que se dizem espirituais podem tão somente viver alucinações, delírios, fantasias, imaginações. Pior ainda, essas pessoas contribuem para uma distorção da realidade, assim como de se tornarem modelo de experiências místicas sem base doutrinária bíblica. Por isso, uma vez submetidas a estudos, que averiguem o que realmente está originando as experiências, estas também precisam ser confrontadas com os exemplos encontrados nas narrativas bíblicas para que tenham crédito.
Conclusão
A percepção espiritual saudável está diretamente relacionada à maturidade cristã quanto à capacidade racional de analisar a si mesmo e ao que ocorra ao derredor, principalmente à luz dos ensinos bíblicos. Se muitos foram criticados nas páginas da Bíblia porque não tiverem espiritualidade para compreender os acontecimentos e outros foram censurados porque estavam se enganando e enganando outras pessoas com suas experiências enganosas ou demoníacas, em nossos dias é necessário cada vez mais desenvolver a sensibilidade espiritual e usar de prudência na autoanálise e análise do que outras pessoas alegam experimentar. A atitude de meditar nas páginas bíblicas, que descrevem as experiências e ensinam as doutrinas, assim como uma vida de oração em sincero relacionamento com o Pai Celestial, constituem-se nos melhores referenciais para lidar com esse assunto.
Afinal de contas, além de racionalidade e do sentimento, é principalmente a percepção espiritual correta que irá determinar tomada de decisões, rumo de acontecimentos, escolha de religião, interpretação dos fatos e acontecimentos, tipos de relacionamentos, uso do tempo e recursos financeiros, opções profissionais, adoção de valores, princípios e normas.
Autor: Edson Raposo Belchior
Referências:
[1]PENNA, Antônio Gomes. Percepção e Realidade. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1993.
[2]https://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/1962801
Bibliografia
JORGE, Ana Maria Guimarães. Introdução à Percepção. São Paulo, Paulus Editora, 2011.
NEE, Watchman. O Homem Espiritual.Cutitiba, Editora Betânia, 2018.
PENNA, Antônio Gomes. Percepção e Realidade. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1993.
SCAZZERO, Peter. Espiritualidade Emocionalmente Saudável. Campinas, United Press, 2013.
SIMÕES, Edda A. Quirino. Psicologia da Percepção. São Paulo, E.P.U.,