NEGAÇÃO DOS MILAGRES PELA CIÊNCIA
Introdução
Na medida em que a ciência foi cada vez mais se desenvolvendo e se fazendo presente em quase todas as áreas da vida humana, inclusive fornecendo explicações sobre fenômenos, eventos, acontecimentos e constituição dos corpos e objetos, a explicação da existência de um milagre tem sido contestada.
O pressuposto dessa atitude ceticista é que um evento, não podendo ser explicado, seria considerado um milagre. Neste caso, por exemplo, a cura de uma enfermidade mortal, de acordo com o diagnóstico e os recursos médicos disponíveis, seria explicada como sendo um milagre, quando na verdade a explicação científica é que o sistema imunológico do organismo conseguiu superar a doença, contrariando os prognósticos previstos. Da mesma maneira, um acidente automobilístico que resultou na morte de quase todas as pessoas envolvidas, salvo de um sobrevivente que saiu ileso - fato considerado um milagre - poderia ser explicado cientificamente pela presença de fatores como posição no local, uso de equipamentos recomendados, prudência reativa do indivíduo. A física, a engenharia e a estatística de acidentes teriam as explicações já constatadas várias vezes para negar o milagre.
Todavia, o conceito de milagre é o de um evento não explicável por nenhuma lei natural ou científica. Se houver explicações naturais e científicas, a informação de existir um milagre deve ser realmente descartada. Nesse sentido, para salvaguardar a explicação de um fato como milagre, é oportuno lembras a declaração de Harald Schaly: “Milagre é um fenômeno que tal modo transcende os processos naturais ou se manifesta em tais circunstâncias que só pode atribuído à interferência de algum poder sobrenatural”[1].
Em outras palavras, significa também que, se no mundo existe certa regularidade, qualquer fato ou fenômeno que esteja fora dessa regularidade só pode ser explicado como um milagre. Não é como pensava Santo Agostinho ao conceituar milagre, dizendo: “Milagre não é coisa contrária à natureza; é contrária sim aquilo que se conhece da natureza”[2]. Pela interpretação de Agostinho, o milagre voltaria a ser algo que é declarado como existente, enquanto a ciência não encontra uma explicação, que virá mais cedo ou mais tarde. Realmente, mesmo que os cientistas discordem ao dizerem que a quebra da regularidade e do natural seria impossível[3], só assim é que realmente um acontecimento pode ser classificado como milagre.
- Explicação natural e científica
A tentativa de conciliar a ideia de milagre com os acontecimentos que sejam naturais e venham a ter explicações científicas posteriormente traz como consequência inevitável o esvaziamento do sobrenatural. É a tentativa de afirmar que um dia, mais cedo ou mais tarde, haverá conhecimento suficiente sobre os eventos, acontecimentos, fenômenos, constituição dos corpos e objetos que, hoje o que é conceituado como milagre, deixará de ser assim classificado. A limitação dos conhecimentos no domínio das ciências, causada pela ignorância do saber, seria a explicação pela qual as pessoas diriam que aconteceu um milagre[4].
É com essa proposta, por exemplo, que vários milagres registrados na Bíblia têm sido explicados no conhecido livro de Weller Keller, cujo título parecia valorizar a Bíblia: “E a Bíblia Tinha Razão”[5]. O evento mais ilustrativo proposto nesse livro diz respeito à travessia do Mar Vermelho pelos israelitas saindo do Egito. Eles teriam atravessado um dos braços do Mar dos Juncos, traduzido por Mar de do Mar Vermelho pela Septuaginta, cujas águas foram diminuídas por força de um vento forte que soprava na região, ocasionalmente. Nessa ocasião da travessia, mais uma vez os ventos teriam soprado e empurrado as águas, coincidentemente. Essa explicação continua sendo dada até os dias recentes, como fez um cientista da Universidade de Colorado, Carl Drews: “ventos fortes vindos do Leste, soprando durante toda a madrugada, teriam empurrado a água fazendo surgir uma passagem, permitindo que as pessoas atravessassem o local com segurança”[6]. Esse episódio, portanto, ilustra de maneira natural o fenômeno, que seria considerado um milagre. Uma vez apresentadas as explicações científicas, os milagres deixam de existir como tais.
- Limitações da ciência
Procurando conceituar o que seja ciência, alguém afirmou: “A palavra ciência originalmente significava conhecimento, portanto, qualquer sistema de conhecimento é estritamente ciência”[7]. Todavia, além das definições clássicas, existe o que pensa o povo: “No sentido popular da palavra ciência, são as ciências experimentais – física, sociologia, química etc. – que dependem de observação e experiência”[8]. Com o seu avançado desenvolvimento, procurando oferecer explicações para tudo o que acontece no mundo, a ciência passou o ocupar um lugar impar na transmissora da verdade. Passou a ser considerada como "a única, sólida e factual verdade que está à disposição”[9]. Chamando para si o poder, a capacitação e a suficiência para satisfazer todas as necessidades do ser humano, a ciência tornou-se infalível e a última palavra em todas as áreas, para muitas pessoas. O preço pago por esse modo de acreditar foi o esvaziamento dos valores religiosos e a desvalorização dos milagres.
Ocorre, todavia, que essa não é toda a verdade sobre a ciência, pois ela tem limites. Nesse sentido, o Prof. Dr. Silvio Seno Chibeni foi muito claro: “Na percepção popular, a imagem da ciência é tão exaltada que certamente parecerá estranho falar-se em limites do conhecimento científico. Sendo tão poderosa, a ciência desconheceria limites. No entanto, há diversos sentidos em que se pode dizer que o conhecimento científico é limitado”[10].
A partir dessa percepção, não se pode ignorar que a ciência não tem competência para fazer julgamentos morais, éticos, estéticos e sobrenaturais: “A ciência é uma ferramenta maravilhosa para nos ajudar a entender o mundo natural, mas não é uma panaceia para todos os nossos problemas. As ideias científicas podem mudar rapidamente à medida que os cientistas testam diversas explicações possíveis tentando descobrir quais são as mais precisas. Essas ideias estabelecidas estão sujeitas a modificações com base em novas evidências e perspectivas. Porque a ciência lida apenas com os fenómenos e explicações naturais, não pode apoiar ou contradizer a existência de entidades sobrenaturais — como Deus”[11]. Em outras palavras mais simples: somente cientistas que tem uma posição filosófica ateísta não enxerga os limites da ciência e invade áreas da experiência humana, que não são de sua competência. No caso, julgar a existência ou não dos milagres realizados por Deus.
Conclusão
Ter a atitude de abordar cientificamente a experiência cristã ou os registros bíblicos de milagres ou a existência de Deus é uma negação do que realmente faz a ciência em seu significado mais legítimo, além de extrapolar sua competência. A verdade é que o método científico é inadequado para interpretar o sobrenatural. É como dizia o Professor Reynaldo Purim: “É tolice esperar que a ciência interprete milagres como intervenção divina”[12].
Está certo dizer que a vida humana, o mundo que nos cerca, o universo sejam milagres a nos chamar a atenção todos os dias. Todavia, o conceito de milagre que a ciência não tem competência para analisar são os fatos, acontecimentos, eventos, fenômenos que violam, transcendem, quebram a regularidade dos processos naturais e, por isso, são sobrenaturais. Esses milagres, todavia, não são os realizados pelos milagreiros de plantão no dia a dia, ao longo dos tempos. Os milagres em tela são os milagres realizados por Deus e por Jesus Cristo que foram registrados nas páginas da Bíblia.
Assim como seria inadequado à teologia invadir o terreno da ciência e tentar mostrar a insuficiência do processo científico em sua área, também é inadequado o cientista ateísta ultrapassar seus limites e pretender que o sobrenatural seja submetido ao método científico para oferecer uma explicação.
Na melhor das hipóteses, o válido seria pensar como propôs Hawthorne J.N: “Os milagres são acontecimentos incomuns causados por Deus. As leis da natureza são generalizações dos acontecimentos ordinários causados por Ele”[13]. O cientista analisaria o que é natural e o teólogo o que é sobrenatural.
Autor: Edson Raposo Belchior
Referências:
[1] SCHALY, Harald. Milagres na Bíblia. Rio de Janeiro, CPB, 1961, pg. 31
[2] HIPONA, Aurélio Agostinho. In RICHARDSON, Alan. Apologética Cristã. Rio de Janeiro, CPB, 1958, pg. 211.
[3] MULLINS, E.Y. La Religione Cristiana em su Expression Doctrinal. El Paso, CB.P., 1968, pg. 277.
[4] RICHARDSON,, op. cit. pg. 212.
[5] KELLER, Werner. E a Bíblia Tinha Razão. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1959, pg. 112.
[6] https://veja.abril.com.br/ciencia/a-divisao-do-mar-vermelho-pode-ser-explicada-pela-ciencia
[7] HAWTRHORNE, J. N. Questões de Ciência e Fé. São Paulo, ABU Editora S.C. 1975, 1975, pg. 13
[8] Idem, ibidem, pg. Pg. 13
[9] Idem, ibidem, pg. 13
[10] https://www.unicamp.br/~chibeni/textosdidaticos/limitesconhecimentocientifico.htm
[11] https://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/pedagogia-pt-br/equivocos-pt-br.php#c1
[12] PURIM, Reynaldo. Filosofia da Religião (Apostila). Rio de Janeiro, STBSB, 1971, pg. 10.
[13] LITLE, Paul. Você Pode Explicar Sua fé? São Paulo, Editora Mundo Cristão, 1972, pg. 86.