A PROPÓSITO DE PSICOTEOLOGIA
Introdução
Cada vez mais a Psicologia tem feito parte dos currículos de várias instituições teológicas. Seminários, Faculdades e Institutos Bíblicos entenderam que a compreensão da natureza humana também precisaria incluir as descobertas feitas por essa ciência. Infelizmente, no entanto, a inevitável contrapartida dessa relação entre psicologia e religião tem sido a atitude de “psicologizar a fé cristã” por parte de alguns profissionais ateistas e agnósticos, isto é, submeterem a experiência cristã à análise dos postulados desta ciência, cujos objetivos mais conhecidos tem sido o esvaziamento da dimensão divina e espiritual dessa experiência.
- Visão histórica
A natureza humana e os fenômenos a ela inerentes sempre foram objeto de estudos por parte dos desejavam entende-los. Um dos resultados tradicionais desses estudos foi o ensino da existência de uma alma fazendo parte da constituição da natureza humana, sendo ao mesmo tempo uma entidade separada do corpo e sobrevivente à sua morte. Na abordagem feita pela Filosofia, que então procurava entender os fenômenos, a alma tornou-se objeto de estudos. Aristóteles, todavia, passou a fazer dela uma propriedade da matéria: “A alma é assim, antes de tudo para Aristóteles, o princípio da atividade vital., motor imóvel dessa atividade. Ela não é objeto próprio e separado como na tradição de Pitágoras e Platão. A alma não é mais o elemento que transita de corpo para corpo, como a vista ao olho. Nada resta do mito platônico que Aristóteles pareça ter aceito a princípio. A alma e o corpo morrem concomitantemente”[1].
Com essa compreensão, o estudo da alma como entidade separada do corpo ficou restrita à Religião, deixando os espaços da Filosofia. A Psicologia, ciência nascida em seguida, embora em sua etimologia tivesse como significado, o “estudo da alma”, também deixou de ter a alma como sendo objeto de suas pesquisas. A nova ciência passou a estudar a personalidade em suas manifestações como pensar, sentir, agir. Como não poderia deixar de acontecer, acabou se ramificando em estudo dos sentimentos e emoções, estudo do pensamento, estudo do comportamento, estudo da vontade e daí por diante.
No rastro dessa ramificação foi inevitável também incluir a religiosidade como objeto de estudo, o que deu origem ao surgimento da Psicologia da Religião, estudando a religiosidade e sua influência sobre a personalidade[2]. Na sequência, considerando a autonomia de cada uma, surgiu a proposta de conciliar Teologia e Psicologia, dando lugar à Psicoteologia, cujo objetivo principal seria estabelecer um diálogo entre as duas ciências, depois de anos de indiferença ou antagonismo[3].
Se as pessoas que fazem parte das igrejas não conseguem ver suas dificuldades pessoais sendo atendidas apenas pela religiosidade, isto é, conflitos interiores, repressões inconscientes, neuroses comportamentais, descontroles emocionais, frustrações existenciais, temperamentos descontrolados, desvios sexuais, fobias e pânico – essas pessoas tem nas descobertas psicológicas sobre a natureza humana uma valiosa ferramenta de auxílio. Esta conclusão, todavia, não é unânime entre cristãos que rejeitam qualquer influência benéfica da Psicologia na Teologia.
- Conciliação x ajustamento
A tentativa de conciliar Psicologia e Teologia não deve, no entanto, ser interpretada como um ajustamento da fé cristã a qualquer ciência em detrimento de seus princípios, valores e pressupostos estabelecidos pela Bíblia, como já ocorreu em outros momentos, gerando enormes prejuízos para a fé cristã[4].
Conciliação, portanto, significa dizer, em outras palavras, que não se pode ignorar as descobertas na natureza humana que foram feitas pela Psicologia como ciência. A interpretação dessa proposta conciliatória se faz a partir do entendimento de que, além da Revelação Especial de Deus feita nas Escrituras, também existe a Revelação Natural de Deus e que tem sido percebida pelas ciências, tais como Astronomia, Biologia, Zoologia, Quí9mica, Física e outras.
Além do que a Bíblia revela a respeito do ser humano, a Psicologia tem feito descobertas sobre emoções, sentimentos, comportamentos, pensamentos, vontade, consciência que não podem ser ignoradas. Hoje existe muito mais luz sobre a natureza humana do que havia no passado, o que, inclusive, ajuda a entender melhor as experiências humanas narradas nas páginas da Bíblia. Além de aprender que não se deve dar lugar à ansiedade, como recomendava o apóstolo Paulo, também é muito importante saber a respeito do que seja a ansiedade, seus sintomas, suas causas, seu tratamento. Além de não adotar o negacionismo a respeito do pecado, conforme recomendava o apóstolo João, é muito importante compreender os mecanismos de defesa da negação, suas motivações e seus objetivos, assim como sua existência propriamente dita. Além de se identificar com o apóstolo Paulo que confessava ter o querer, mas não conseguia fazer o certo, é muito importante saber como funciona a vontade das pessoas, suas motivações para tomada de decisões, suas limitações quanto a força dos hábitos, vícios e dependência. Por mais que exista a proposta bíblica cristã de unidade comunitária, incluindo os mesmos propósitos, é relevante conhecer peculiaridades da natureza humana que trabalham ao contrário dessa proposta, considerando que as pessoas são diferentes em várias características da personalidade, reagindo de várias maneiras a estímulos que são oferecidos.
Conclusão
As descobertas psicológicas, seus métodos, suas técnicas e suas conclusões a respeito dos seres humanos não devem ser uma ameaça à religiosidade das pessoas e nem à teologia dos líderes. Elas surgiram para trazer ainda mais luz sobre os seres humanos, ajudando ainda mais a ouvir e entender o que o Espírito de Deus queira falar, inclusive a respeito de espírito, alma e corpo.
Edson Raposo Belchior, autor.
[1] Condé, Bertho. Roteiro de História da Filosofia. Editora Piratininga, São Paulo, pag. 138.
[2] Johnson, Paul. Psicologia da Religião. Aste, São Paulo, 1964, pg. 14.
[3] Crabb, Lawrence Jr. Aconselhamento Bíblico Efetivo. Refúgio Editora Ltda., Brasília, 1985, pg. 27-50.
[4] Brown, Coli. Filosofia e Fé Cristã. Ediçõles Vida Nova, São Paulo, 1983, pg. 184.